O engasgamento

Leio-lhes estas linhas:
A fala é irreversível, é essa a sua fatalidade. O que foi dito não se pode emendar, salvo se for aumentado: corrigir é, aqui, estranhamente, acrescentar. Ao falar, nunca posso apagar, safar, anular; tudo o que posso fazer é dizer «anulo, apago, rectifico», em suma, falar uma vez mais. A esta singular anulação por acrescentamento chamarei «engasgamento». O engasgamento é uma mensagem duas vezes falhada: por um lado, compreende-se mal; mas, por outro, com esforço, apesar de tudo compreende-se. Ele não está verdadeiramente nem na língua nem fora dela: é um ruído de linguagem comparável à sequência de golpes pelos quais um motor dá a entender que está mal de saúde: é este precisamente o sentido da falha do motor, sinal sonoro de um revés que se perfila no funcionamento do objecto. O engasgamento (do motor ou do sujeito) é em suma um medo: tenho medo de que a máquina possa vir a parar.

Roland Barthes
in "O Rumor da Língua" (Edições 70 / Lisboa, 1987)